Resenha do livro "Sapiens: Uma breve história da humanidade"

Uma história sobre como a capacidade imaginativa possibilitou ao Homo Sapiens chegar até aqui.

Stéfano Girardelli
8 min readJun 21, 2020
Foto autoral

O livro que trouxe para você desta vez, tem uma temática bem distinta das anteriores que escrevi. Apesar desta diferença, é um assunto que me desperta enorme interesse desde criança e por isso decidi comprá-lo.

Foi uma leitura difícil, confesso. Sapiens é um livro com uma quantidade exorbitante de informações sobre os mais diferentes assuntos da natureza humana, por isso alguns capítulos podem ser densos, mas a partir do momento em que você consegue adaptar sua leitura a ele, tudo muda e a admiração por essa obra de arte, capaz de te levar a milhares de reflexões extremamente profundas, cresce.

Yuval N. Harari por Emily Berl / The New York Times / Fotoarena

Yuval Noah Harari é doutor em história pela universidade de Oxford, especializado em história mundial e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. Suas pesquisas giram em torno de questões abrangentes sobre a relação entre a história da humanidade e a biologia. Sapiens foi lançado em 2011 e logo se tornou fenômeno mundial. Apesar da quantidade de informações e a imensidão de assuntos, é um best-seller internacional de respeito.

Harari conseguiu encaixar em aproximadamente 450 páginas, mais de 70 mil anos de história sobre a humanidade. Portanto, de antemão, quero lhe avisar que minhas palavras não vão chegar nem perto de transpor o real valor desta obra. Meu objetivo aqui é compartilhar o que mais me cativou e, quem sabe, te convencer a dar uma chance para esta explosão de conhecimento chamada: Sapiens.

Podemos interpretá-lo de diversas maneiras. A forma como a história é narrada passa uma sensação de linearidade fantástica, deixando tudo mais simples de entender. Para os que não são da área, é um ótimo momento para relembrar os ensinamentos da escola, aqueles que muitas vezes sofríamos para digerir e levar para as provas. Já a partir do ponto de vista científico, Harari divide a obra em três partes: Revolução Cognitiva que deu início a história há cerca de 70 mil anos atrás, a Revolução Agrícola que a acelerou por volta de 12 mil anos atrás e a Revolução Científica que começou há apenas 500 anos, mas pode direcionar a humanidade a um rumo completamente diferente dos que já tivemos até aqui.

Revolução Cognitiva

A primeira parte dita que o Homo Sapiens conquistou o mundo graças a sua linguagem única e sua capacidade elevada de processamento cognitivo em relação às outras espécies. Dessa forma, surgiram novas maneiras de se comunicar e pensar.

Harari relaciona a capacidade flexível dos Sapiens de cooperarem entre estranhos com sua trajetória de sucesso rumo ao governo do mundo, enquanto outras espécies praticamente se tornaram submissas.

Com o decorrer deste período, surgiu o conceito denominado de realidade imaginada. Algo que, a partir da Revolução Cognitiva, passa a fazer parte do coletivo da espécie através de crenças partilhadas. Muitos exemplos são citados, como a lenda da Peugeot, considerada uma ficção jurídica onde uma empresa de sociedade limitada não pode ser vista, tocada ou sentida, mas ainda assim é submetida as leis dos países que opera e está na mente das pessoas. Por este motivo, existe para o imaginário coletivo.

À vista disso, com a evolução da espécie, diversas realidades imaginadas surgiram e com elas, diferentes tipos de comportamento. Dando assim, origem ao que chamamos de “cultura”.

Todo este progresso nos levou a muitas conquistas, mas também a fatalidades. Estima-se que o Homo Sapiens extinguiu quase metade dos grandes animais do planeta. E isso tudo aconteceu antes mesmo da invenção das ferramentas de ferro.

“Temos a honra duvidosa de ser a espécie mais mortífera nos anais da biologia.”

Revolução Agrícola

Diferente do que aprendemos ao longo da vida, Harari caracteriza a Revolução Agrícola, como a maior fraude da história. Durante este período o Homo Sapiens foi domesticado pela planta, e não o contrário. Com isso, passamos a uma nova era onde a espécie se multiplicou exponencialmente, mas não a qualidade de vida. Consequências estas que colhemos os resultados até hoje.

“Basicamente a essência da Revolução Agrícola está relacionada a capacidade de manter mais pessoas vivas em condições piores. Assim, o sucesso evolutivo de uma espécie é medido pelo número de cópias do seu DNA. Apesar de ninguém concordar, as pessoas reduziram seu padrão de vida só para multiplicar o número de cópias de genoma do Homo Sapiens.”

Além do plantio, os Sapiens mudaram sua relação com os animais. Agora, alguns eram domesticados e outros selecionados para o alimento. Em geral, passaram a ser adaptados às necessidades humanas e, com o tempo, as ovelhas, o gado e os porcos se tornaram mais gordos, menos curiosos e mais submissos. Além disso, hoje, vieram a ser os grandes mamíferos mais difundidos do mundo.

Desse modo, com o crescimento desenfreado da espécie, houve-se a necessidade de organização. Buscando o conceito de realidade imaginada, agora temos o conceito de ordem imaginada que pode ser dividido em três níveis:

  • Objetiva: existe independentemente da nossa crença e consciência, como o frio, o calor ou a radioatividade.
  • Subjetiva: depende da consciência de um único indivíduo. Por exemplo, nosso amigo imaginário da infância.
  • Intersubjetiva: algo que existe na consciência coletiva, como o dinheiro, as leis, nações, deuses e impérios.

“Não há como escapar à ordem imaginada. Quando derrubamos os muros da nossa prisão e corremos para a liberdade, estamos, na verdade, correndo para o pátio mais espaçoso de uma prisão maior.”

Todo esse excesso de informação, causou uma sobrecarga de memória, portanto fez-se necessário a criação de um sistema de processamento de dados chamado: escrita. E através dela, crescemos de muitas formas. Tivemos que criar novas ordens intersubjetivas e iniciamos o processo de débitos históricos que assombra nosso mundo até os dias atuais. Aprendemos a manipular o jogo econômico com restrições jurídicas e barreiras invisíveis, e perpetuamos a escravidão justificada na maior resistência e superioridade imunológica de africanos em relação a europeus.

"O círculo vicioso: uma situação histórica fortuita se traduz em um rígido sistema social."

Além deste tema, Harari aborda diversas polêmicas atuais através da óptica biológica e histórica, como as relações afetivas entre humanos e a cultura de proibição do que não é considerado “natural”, mesmo que pela Biologia não exista nada que não seja natural.

“Um comportamento verdadeiramente não natural, que vá contra as leis da natureza, simplesmente não teria como existir e, portanto, não necessitaria de proibição.”

E com advento dessas crenças limitantes, a maior parte das leis, normas e direitos privilegiaram condições e indivíduos através de características que mais refletiam a injusta imaginação humana do que a própria realidade.

A unificação da humanidade

Para melhor contextualizar a Revolução Científica, o autor precede contando alguns dos fatores fundamentais para que a nossa espécie prosperasse em “harmonia”.

Desse modo, é descrito o surgimento das primeiras ordens universais: a ordem monetária, a ordem imperial e a ordem religiosa. Através delas conecta nossa capacidade de crescimento com a necessidade de confiar em sistemas que só tem valor na nossa imaginação coletiva, como o dinheiro que é considerado o maior e mais eficiente sistema de confiança mútua já inventado. Mencionado, inclusive, como o apogeu da tolerância humana.

Revolução Científica

A Revolução Científica não foi uma revolução do conhecimento. Foi, acima de tudo, uma revolução da ignorância. E sua maior descoberta foi de que os humanos não têm as respostas para suas perguntas mais importantes.”

Como citei no início da resenha, Harari se refere a esta revolução como o momento que podemos direcionar a humanidade a um rumo completamente diferente, e ao ler Sapiens fica evidente o “por que”. Este é o momento em que forças se unem em prol da ciência para alcançar respostas para as nossas dúvidas, como por exemplo a incapacidade humana de viver eternamente.

Para que essas forças se unam, é necessário que a base estrutural seja forte e converse a nível mundial. Com isso, mais uma vez fortalecemos capacidade da imaginação humana: agora os bancos e toda economia florescem através da nossa confiança no futuro, a mesma confiança que é capaz de perseverar um sistema de crédito que pode ser utilizado para os mais diferentes motivos. Assim surge o credo capitalista.

O círculo mágico da economia moderna.

Através dessa estrutura financeira, estudos mais complexos possibilitaram a descoberta de novas alternativas energéticas que, por fim, aumentariam nossa capacidade produtiva. História esta que, novamente, nos trouxe para um momento já vivenciado antes, fazendo com que a Revolução Industrial fosse uma segunda Revolução Agrícola. Assim, problemas complexos mas de natureza semelhante, ficaram evidentes:

“Apenas 2% da população vive da agricultura nos Estados Unidos, mas somente esses 2% é suficiente para alimentar toda população do país como também exportar excedentes para o resto do mundo. A oferta começou a superar a demanda e um novo problema surgiu: quem vai comprar tudo isso? Assim surgiu a ética do consumismo.”

Apesar da quantidade de fatos interessantes dos quais eu não tinha conhecimento nas revoluções anteriores, ao ler sobre a Revolução Científica o sentimento é diferente, pois encaramos esta realidade nos dias atuais e o caminho ao qual Harari nos guia pode soar assustador para alguns. Afinal, a tecnologia que hoje nos permite um acesso excessivo a informação, nos possibilita viajar para mil lugares incríveis e a registrar momentos únicos, é a mesma que nos escraviza a ponto de tirar nossa atenção de todas essas possibilidades enquanto brincamos incansavelmente com nossos celulares. Da mesma forma que a planta domesticou o homem, nossas invenções estão nos domesticando.

A parte final desta obra vai ainda mais profundo nessa reflexão, mas não quero estragar a sua leitura!

Aprendendo com a história da humanidade

Comentei que li este livro sem nenhuma pressa, e isso me ajudou a assimilar todas as suas informações com mais precisão. Enquanto lia, tentava refletir sobre suas passagens nos dias atuais. Recomendo que tente fazer o mesmo!

Diante de todos estes fatos, encontrei algumas respostas para dúvidas que me acompanhavam desde criança e outras respostas para dúvidas que eu mesmo nem sabia que tinha. Ler sobre a evolução humana em uma perspectiva histórica e biológica, tem suas particularidades e talvez por isso esse livro seja tão especial e recomendado ao redor do mundo.

Sapiens foi um divisor de águas para mim em muitos fatores. Um deles é a relação que tenho com o meu alimento e sua origem. Não sou vegetariano, mas Harari trouxe situações que nos faz enxergar que nossa espécie prosperou pelos seus méritos, mas, principalmente, pela forma como subjulgou as outras espécies. Muitas delas, infelizmente, não sobraram para contar história.

Portanto, se este livro não está na sua lista, não hesite em adicionar. É uma obra de grandeza singular, repleta de história e conhecimento. E se por acaso ele já pertence a sua lista e você está se preparando para iniciar a leitura, considere a possibilidade de ter um livro mais leve ao lado para se distrair e equilibrar os pensamentos enquanto lê sobre a história que te trouxe até aqui.

Antes de partir, lembre-se, se ler me conte o que achou. Nos vemos em breve!

Forte abraço,
– Stéfano B. Girardelli.

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